O objetivo de um time de futebol é, acima de tudo, vencer. Seria hipocrisia negar isso, seria bobagem falar que a emoção mora em competir, seria papo de professor de educação física do ensino fundamental dizer que o importante é participar.
Mas se vencer é importante, também é importante como essa vitória vem. E não falo no sentido de que é mais gostoso ganhar de goleada ou que sentimos mais alegria vendo um time que joga bonito, mas sim num nível ainda mais básico da coisa, de que existem maneiras mais e menos honestas de vencer, jeitos mais e menos corretos de ganhar, que ajudam a dar mais ou menos sentido para essa vitória.
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E digo isso porque para mim, enquanto rubro-negro, poucas coisas são mais importantes do que o Flamengo vencer, poucas coisas causam mais alegria do que ver o Flamengo montando um grande time, tendo ótimos atletas, sendo um time cada vez mais forte, capaz de levantar cada vez mais taças.
Mas também é muito importante a maneira como o meu time faz isso. Porque tanto quanto um Flamengo campeão, que balança as redes, que enche os estádios, que alegra a torcida, é preciso que a gente veja um Flamengo honesto, um Flamengo correto, um Flamengo que cumpre seu papel dentro de campo mas também tem uma posição correta fora dele, como uma instituição que, consciente de ser uma Nação de mais de 40 milhões de pessoas, entende a influência que tem no mundo ao seu redor.
Por isso a minha tristeza com a possibilidade da chegada do volante chileno Erick Pulgar, um jogador que já foi condenado por, ao dirigir sem habilitação e acima do limite de velocidade, atropelar um idoso, não prestar socorro e causar sua morte, e que também responde por uma acusação de estupro em que uma moça inconsciente teria sido levada pelo atleta e outros amigos para a casa dele em Santigo, no Chile, lá sofrendo violência sexual.
Primeiro porque, no aspecto técnico, o Flamengo já não precisa de Erick Pulgar. Um volante de 28 anos, que despontou como promissor na Universidad Católica, foi para o futebol italiano e atualmente estava, por empréstimo, no futebol turco, Pulgar dificilmente é um jogador diferenciado como Vidal ou um grande negócio de oportunidade como Oscar, e mesmo se tivesse a ficha mais limpa do mundo, seria improvável que justificasse um salário indexado em euros na atual equipe do Flamengo.
Mas principalmente pela mensagem transmitida pela decisão da Diretoria rubro-negra de apenas ignorar a situação do jogador. O atropelamento foi cometido quando o atleta era bem mais jovem e ele já respondeu na justiça? É um argumento possível, assim como defender que a vida de uma pessoa não pode ser definida por um erro – ainda que esse erro tenha causado a morte de outra pessoa. Mas qual a justificativa para ignorar uma acusação de estupro de cerca de um mês atrás, onde a vítima, em seu depoimento, reconheceu o jogador?
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Pulgar tem direito à defesa, claro, como qualquer pessoa acusada de um crime, e cabe à justiça realizar seu trabalho. Mas o Flamengo não sabe qual vai ser o resultado desse processo, e trazer o jogador neste momento parece não apenas ignorar uma acusação grave como ainda faz com que uma multidão de torcedores, que parecem dispostos a defender qualquer decisão da diretoria, tentem minimizar a situação e proteger com unhas e dentes um cidadão que nem mesmo conhecem.
E talvez seja essa a parte mais triste de todas. Não apenas um Flamengo, que poderia contribuir tanto com causas e pautas positivas, optando pela contratação desnecessária de um cidadão que está respondendo por uma acusação de estupro, como também parte dessa torcida tão grande e apaixonada, confundindo a nossa vontade de sempre defender o Flamengo com algum tipo de necessidade de sempre achar corretas as atitudes das pessoas que comandam o Flamengo ou atuam pelo Flamengo.
Porque ganhar dentro de campo é sim muito importante, mas certas atitudes representam derrotas pra gente em espaços tão importantes quanto o futebol, mas que são bem mais complicadas de apagar.