Há duas semanas, escrevi um breve texto, apontando a parcela de responsabilidade de cada um dos agentes envolvidos no futebol rubro-negro. Era um desabafo (mais um!) de um flamenguista que perdeu a esperança e, mais do que isso, o saco, de ver o futebol do Flamengo ser tão mal tratado. Os erros da gestão Bandeira de Mello (já podemos abolir a pecha de “Chapa Azul”, né?) são vários, diferentemente do que tentam vender os dirigentes do clube aos seus torcedores. Não, o problema não é, nem nunca foi pontual. E, se tem um erro que se destaca entre todos, ele se chama Rodrigo Caetano.
Contratado em dezembro de 2014 (relembre aqui), o mais balado executivo do futebol brasileiro vinha para repaginar um time que ficou marcado pela vexatória eliminação para o Atlético-MG, nas semifinais da Copa do Brasil. Articulado e em sintonia com o então técnico Vanderlei Luxemburgo, Caetano vinha de trabalhos questionáveis nos maiores rivais do Mengão; em 2013, não ofereceu NADA de relevante ao elenco do Fluminense, então campeão brasileiro, e viu o time (caríssimo, à época) livrar-se do rebaixamento em uma história ainda hoje obscura. No ano seguinte, foi para o rebaixado Vasco, onde tivera uma passagem de relativo sucesso, e, com o elenco mais caro e renomado da segundona, levou o cruzmaltino ao terceiro lugar, numa decepcionante campanha que incluiu vexames como a goleada em casa para o Avaí. Essas eram as suas últimas credenciais, mas, SABE-SE LÁ PORQUE, alguém no Flamengo achou que era uma grande ideia trazê-lo para estar à frente do futebol molambo. E assim começou a jornada do executivo moderno no Mais Querido.
Conquistou jogadores visados no mercado (como Jonas, o volante que o Corinthians não quis), liberou uns encostados e deu um rumo para Leo Moura – uma decisão difícil, por se tratar de um jogador tão longevo no clube, ídolo dos molambinhos mais novos. Esses movimentos foram simbólicos: o clube tinha condições financeiras para disputar jogadores cortejados por outros grandes do Brasil e iniciava um novo período histórico, onde as caras do futebol, enfim, seriam outras. Se o ex-capitão era criticado por “jogar mal, mas jogar sempre”, agora não haveria mais intocáveis e o plano de dar vez aos melhores/mais preparados entraria em vigor, conforme previsto no início da gestão Bandeira de Mello. Mas as coisas não saíram como esperado.
Luxa foi saído após péssimos resultados e um futebol paupérrimo. Em sua entrevista de desligamento, detonou os dirigentes “que não manjam nada de futebol”. Rodrigo Caetano, o elo entre técnico e alto escalão rubro-negro, ficou na dele. O clube foi atrás de Cristóvão Borges, a versão 2015 de Jorginho e Ney Franco; sem lastro, foi alvo fácil das críticas (algumas justas, outras nem tanto) e, sem a blindagem dos superiores, foi chutado com impressionante rapidez. Veio Oswaldo, irmão do SENHOR WALDEMAR, que juntou um par de pontos no Brasileirão, garantiu a permanência na 1ª divisão e foi defenestrado assim que deu, já que contratar técnico de nome, aparentemente, é um bom negócio do ponto de vista eleitoral.
Em meio à essa bagunça, Rodrigo Caetano apareceu apenas para apresentar os reforços. Guerrero, Éderson, Sheik, Alan Patrick: todos deveriam ser encarados como fruto do seu trabalho. E muita gente se convenceu disso. Oras, se o trabalho do executivo é apenas cuidar da montagem do elenco (ou se ele só é cobrado pra isso), então APARENTEMENTE o trabalho de Caetano é bom. Mas não é bem assim.
O Flamengo se reforçou ao longo da temporada, mas não porque apareceram boas oportunidades. O Flamengo se reforçou porque era uma necessidade, porque o elenco que começou aquele Brasileirão não tinha condições de vencer cinco jogos. Não por acaso, Guerrero voltou da seleção depois de longa Copa América, viajou 200 horas de avião, virou noite e foi a campo garantir a vitória sobre o Inter no Beira-Rio. Até aquele momento, o Flamengo tinha 10 pontos em 11 rodadas disputadas. Em todo fracasso, havia uma desculpa protocolar. E nunca (NUNCA mesmo!) víamos o executivo forte do futebol abrir a boca.
Em dado momento, o torcedor perdeu o saco. A disputa eleitoral era grande demais para que o Flamengo pensasse em futebol. E, claro, Rodrigo Caetano, como um bem remunerado executivo que nunca foi cobrado para fazer nada além de “montar elenco”, manteve-se quieto. Acontece que o processo eleitoral acaba e, com ele, renovam-se as expectativas. Com Eduardo Bandeira de Mello reeleito (mesmo sem parte da equipe da Chapa Azul original), Muricy Ramalho contratado, um CT novinho, uma equipe fodona para análise de desempenho e Rodrigo Caetano com tempo e (algum) dinheiro para investir no elenco, o Flamengo tinha as cartas para fazer uma temporada à altura de suas tradições (eu mesmo me EMPOLGUEI nesse texto no início do ano). Lembrando que a própria diretoria acenou com um futebol realmente forte após os primeiros anos de gestão. A torcida foi paciente, entendeu, abraçou a causa. E…
Caetano foi ao mercado, fazer o que faz de melhor: mostrar serviço. Contratou Cuellar, pretendido pelo Cruzeiro; trouxe Mancuello, ídolo do Independiente; tirou Arão na marra do Botafogo; buscou Rodinei, destaque da campanha honrada da Ponte Preta e resgatou Juan. Repetiu a dose de 2015, emprestando meninos que não teriam espaço e reforçando as posições mais carentes. A mesmíssima fórmula que fracassou meses antes. Mas, para sua sorte, os comentaristas SEMPRE olham para o trabalho de campo. Batem em Muricy por ele não conseguir replicar o modelo barcelonista na Gávea; esculhambam Guerrero sob a justificativa de que recebe muito e marca poucos gols. E se ficar muito escrachado que o problema não é só em campo, apontam pra cima: Bandeira de Mello e Godinho são os maiores responsáveis pelo fracasso do futebol rubro-negro. Assim é a doce situação de Rodrigo Caetano.
Só que nessa semana, marcada pela patética eliminação na Copa do Brasil – o pior resultado do clube na história do torneio, a terceira eliminação em 4 meses e meio de temporada -, Caetano se entregou. Não entregou o cargo, mas falou aquilo que nenhum palpiteiro tem coragem de dizer: ele tem MUITA culpa por esse papelão todo.
A entrevista é um acinte: deixa claro que a defesa precisa de reforços, que o elenco é técnica e mentalmente desequilibrado e não se aprofunda em NENHUM outro tema – provavelmente para não se queimar junto aos figurões do clube. Ou seja, revela que os problemas mais óbvios do futebol do Flamengo são, na verdade, culpa dele, o montador de elencos. O cara que permitiu que o time começasse um campeonato de 38 rodadas com apenas dois zagueiros no elenco, que sabe que o time perderá alguns nomes para seleções e sequer considerou reposição para eles. O homem que crê, fielmente, que seu trabalho se limita a definir o rumo de um atleta. Cobranças? Nunca. Avaliação rápida do que precisa mudar? Jamais. Declarações? Sempre protocolares. E a consciência tranquila de quem afirma que o trabalho “é bom, até que alguém diga o contrário”. Alguém dirá?
Pelaipe não era grandes coisas, Ximenes muito menos. Mas os antecessores ao menos tinham vergonha na cara. Não tinham medo de se queimar, nem de falar grosso com os jogadores. Suas gestões, abarrotadas de erros das mais diversas naturezas, não tinham metade das bizarrices que os 18 meses de Rodrigo Caetano têm. DEZOITO MESES.
Ao longo de um ano e meio, Caetano não tomou nenhuma atitude enérgica. “Perder é parte do jogo”. “Perder e ir pra churrasco é chato, mas os jogadores são jovens”. “Perder pro maior rival faz parte, afinal, clássico é clássico”. E por aí vai. A vergonha virou padrão e o fato dos jogadores serem uns encostados (ou pelo menos parecerem) é o reflexo de um gestor que só se nota o trabalho nas janelas de transferência. Torrou rios de dinheiro com jogadores que 1) não rendem e/ou 2) estão encostados. Dezoito meses onde a base continuou escanteada e mesmo aqueles que tiveram ALGUM brilhareco em outros clubes, não voltaram para contribuir a baixo custo.
Não dá pra colocar tudo na sua conta, claro. O Flamengo não ter casa pra jogar não é culpa dele, o inútil 4-3-3 não é culpa dele e o presidente Bandeira de Mello viajar com a CBF tampouco parece ser culpa dele. Mas a gestão do elenco, essa é TODA culpa dele. Inteira. O erro Rodrigo Caetano. O maior erro do Clube de Regatas do Flamengo desde o tratamento dado à Zico, ainda na gestão Patricia Amorim. Um erro que precisa ser reparado. E rápido.