No saguão do Hilton Hotel, em Porto de Espanha, a delegação do Flamengo aguardava o tempo passar. A terça-feira chuvosa de 27 de julho de 1982 já havia trazido uma boa notícia para os rubro-negros: Leandro havia renovado seu contrato, e voltaria ao time para a disputa do estadual e da Libertadores. Afastado do time desde a conquista do campeonato brasileiro contra o Grêmio, ele seria um dos desfalques do amistoso no Caribe. Além dele, Raul, recuperando-se de lesão na perna direita; e o ponteiro Zezé, que na hora do embarque foi acometido de indisposição estomacal e acabou substituído às pressas por Jason, permaneceram no Rio.
No ônibus, a caminho do Estádio Nacional de Trinidad e Tobago, os jogadores acenavam para a população, eufórica com a visita do time que tinha Zico e Junior, dois dos magos que semanas antes encantavam o mundo na Copa da Espanha. Cartazes com o rosto do camisa 10 da Gávea anunciavam o duelo entre Flamengo e ASL Sports Club, time patrocinado pela Aviation Sports Limited, ambos de propriedade do milionário Arthur Suite, fundador da Trinidad and Tobago Football League’s (TTFL), uma dissidência da Liga Nacional de Futebol do mesmo país.
O gramado pesado, a velocidade dos jogadores caribenhos – quase uma seleção caribenha reunida por Suite com a camisa do ASL – e o cansaço do Flamengo, em plena disputa da Taça Guanabara, tornaram o jogo difícil. A torcida local se dividiu entre os que apoiavam os astros brasileiros e os que se empolgaram com as dificuldades impostas pelos comandados do treinador William Kepler Santa Rosa, o Esquerdinha, ídolo do Flamengo na década de 1950.
Três marcadores se revezavam sobre Zico, especialmente o zagueiro Brian Williams, que o agarrava, puxava pelo braço e entrava de carrinho a cada tentativa de domínio. O placar sem gols já era uma vitória para o ALS quando Veron Skinner aparou um cruzamento com um voleio, venceu Cantarelli e explodiu o superlotado Estádio Nacional aos 17 do segundo tempo. Três minutos depois, após mais uma falta de Williams em Zico, um revoltado torcedor trinitário-tobagense invadiu o campo e avançou aos socos contra o zagueiro. Saiu preso, levando pontapés da polícia local, mas aplaudido pela torcida, que com a prisão do defensor de Zico, passou a apoiar o Flamengo.
Os campeões mundiais transformaram o último quarto do jogo em campeonato. O amapaense Jason Rodrigues Correa, que havia entrado no lugar de Peu, empatou ao marcar o seu único gol com a camisa do Flamengo. Zico virou a partida logo depois, e Antunes marcou o terceiro já no final, sob aplausos de toda a plateia. Ao final, Zico entregou sua camisa enlameada a Brian Williams, sinalizando a todos que o que acontece no campo de jogo, fica no campo de jogo.
O ônibus rubro-negro deixou o estádio lentamente, acompanhado por centenas de torcedores que o seguiam aos pulos, gritando Flamengo, Flamengo, Flamengo, saudando aqueles jogadores a quem não veriam novamente, mas que haviam levado um pouco de alegria a Trinidad e Tobago.
Mauricio Neves é autor do livro “1981- O primeiro ano do resto de nossas vidas” e também escreve no MRN. Siga-o no Twitter: @flapravaler
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