A temporada está no fim.
Entretanto, ainda restam 28 dias para acabar o ano.
A Gávea já vive um clima de fim de festa. Não adiantou o Flamengo ensaiar uma arrancada na reta final do Brasileiro, vencendo com autoridade seus últimos três jogos (2-0 Cruzeiro, 3-1 Inter-SP, 3-0 São José). Era necessário que ocorresse uma sobrenatural combinação de oito resultados favoráveis na última rodada para que o milagre da classificação brotasse do solo. Não aconteceu. Foi o preço pago pela priorização da Copa do Brasil, que custou duas derrotas em casa (São Paulo e Grêmio), que se revelaram fatais.
Ao anticlímax decorrente da eliminação do Brasileiro soma-se uma das mais pesadas e virulentas campanhas eleitorais dos últimos anos no Flamengo. As eleições acontecerão no início de dezembro, e duas chapas, adversárias figadais, têm dedicado seu tempo a trocar notas ofensivas e declarações contundentes pelos jornais. O ar do clube anda irrespirável, nada recomendável a crianças e pessoas de coração puro.
Mas é preciso arrecadar. Quitar dívidas. Fazer o time rodar.
Não há outra alternativa. O jeito é girar amistosos.
A dupla de ataque formada pelos amigos Gaúcho e Renato, que foram os destaques do time na competição, consegue “escapar” dos compromissos. Renato recupera-se de séria distensão muscular sofrida ainda na partida contra o Cruzeiro (teria ficado de fora das finais) e Gaúcho, com dores no joelho, será submetido a uma artroscopia. O restante do elenco, sem exceção, está convocado para a série de amistosos. Em tese, seria a oportunidade para a realização de avaliações de continuidade, mas nem isso é garantido, diante do complicado quadro eleitoral por que passa o Flamengo.
A primeira etapa dos amistosos é relativamente tranquila. Um torneio em Varginha-MG, do qual o Flamengo sai campeão, após derrotar o Flamengo-MG (9-8 nos pênaltis, após empate por 2-2 no tempo normal) e o Cruzeiro (1-0, gol de Bobô). Após as partidas na cidade mineira, os jogadores terão alguns dias para descansar. Vão precisar.
Vai começar o “Bye-Bye Brasil”.
RIO NEGRO-AM 2-3 FLAMENGO, 06 DE DEZEMBRO DE 1990
O Flamengo chega à primeira escala da excursão ao Norte-Nordeste. Irá enfrentar o Rio Negro, o “Galo” do Amazonas, numa partida que se promete recheada de atrativos. Além dos próprios jogadores do rubro-negro (Júnior, Bobô, Zé Carlos e Zinho, entre outros), há uma atração “local”. O Rio Negro consegue contratar, especificamente para esse amistoso, o veterano Roberto Dinamite, que anda em litígio com o Vasco. Dinamite, aliás, viajou junto com a própria delegação flamenga, o que assanhou jornalistas mais criativos e dados a especulações de mercado. De qualquer forma, a presença do craque vascaíno irá conferir ao Vivaldo Lima um clima de “Flamengo x Vasco” que tornará o amistoso, no mínimo, interessante.
Mas há problemas. No dia marcado para o jogo, um temporal derrama-se sobre a capital amazonense. Receosos e amparados em previsão contratual, os organizadores adiam a partida para o dia seguinte, não sem protestos da diretoria rubro-negra. O adiamento, em tese prosaico, terá efeitos no decorrer da excursão.
Enfim, no dia seguinte, o tempo melhora e o estádio se engalana, completamente lotado, para receber as equipes. O clima do jogo anima o Flamengo, que logo abre 2-0, gols do jovem Nélio. O Rio Negro, excessivamente “motivado”, recorre à violência, e o volante Paçoca acerta dura entrada no próprio Nélio. Júnior logo dá o troco, um totó que tira Paçoca de campo, tornozelo inchado. O jogo vira guerra. O time local, cheio de brios, chega ao empate com Roberto Dinamite, que justifica o alto investimento e marca duas vezes (cobrando falta e pênalti). Mas Dinamite, como usual em sua carreira, sairá derrotado de mais um encontro com os flamengos. Na parte final, Bobô marca o gol da vitória rubro-negra. Pouco depois, é expulso. O Flamengo vence a “Batalha de Manaus”. E é só o primeiro jogo.
PAYSANDU-PA 3-1 FLAMENGO, 07 DE DEZEMBRO DE 1990
Extenuado por conta do esforço exigido pela partida de Manaus, o Flamengo chega a Belém para dar continuidade à excursão. Irá enfrentar o Paysandu no Alçapão da Curuzu, em outro jogo muito badalado pela imprensa local. Com um detalhe: no dia seguinte ao da Batalha de Manaus.
O “encavalamento” se deve ao adiamento forçado pela partida contra o Rio Negro. Assim, a delegação flamenga chega a Belém de madrugada, acorda pela manhã, almoça e já se concentra para o jogo da noite, que provavelmente nada terá de amistoso. A situação irrita o elenco, que cobra explicações da diretoria, até porque o adiamento da partida de Manaus era algo previsível, por conta do (sempre) instável clima local e, mesmo assim, os dirigentes flamengos agendaram o jogo no Pará levando em conta o risco.
Dentro de campo, o resultado é desastroso. Estropiado e exausto, o Flamengo ainda tenta cadenciar a bola, mas não resiste à velocidade alucinante da equipe paraense, amplamente à vontade em sua panela infernal. O Paysandu abre 2-0 (um gol no início de cada tempo), mas o Flamengo, após cinco alterações (a presença dos titulares era exigida por contrato), equilibra a partida e diminui, com o jovem Djalminha. Contudo, no final do jogo, um contragolpe fulminante redunda no gol da vitória dos paraenses. O Paysandu ainda tenta ensaiar um olé, mas é demovido da ideia após duas entradas duras e um dedo na cara. De qualquer forma, a derrota é contundente e a imagem flamenga acaba arranhada.
DESPORTIVO TREM-AP 0-9 FLAMENGO, 09 DE DEZEMBRO DE 1990
Dois dias após o desastre de Belém, o Flamengo terá que entrar em campo novamente, dessa vez em Macapá, no pitoresco Estádio Marco Zero, o Zerão, cuja faixa central, que coincide com a Linha do Equador, divide o campo em dois Hemisférios. Mas a delegação vive forte crise. Há um risco de rebelião no elenco, que não se conforma por ter entrado em campo em dois dias consecutivos e se exposto ao papelão sofrido em Belém. Para tentar amenizar o clima ruim, a diretoria concede alguns remanejamentos na programação e instala os jogadores em um hotel mais confortável.
De qualquer forma, a excursão prosseguirá sem Júnior. O Capacete, alegando acerto prévio, deixa a delegação e irá a um casamento, do qual é padrinho. A seguir, cumprirá mais alguns compromissos pessoais e conseguirá, junto à Diretoria na Gávea, liberação do restante da excursão, podendo permanecer no Rio de Janeiro. O Flamengo terá que seguir sem seu mais celebrado jogador.
Como de costume, o Flamengo encontra mais um estádio lotado. Mas dessa vez, mais relaxados e diante de um adversário consideravelmente mais fraco, o rubro-negro não toma conhecimento do campeão amapaense e, mordido e disposto a deixar melhor impressão, aplica impiedosos 9-0. Bobô, com 3 gols, é o destaque.
MOTO CLUB-MA 1-3 FLAMENGO, 11 DE DEZEMBRO DE 1990
A delegação do Flamengo sofre mais um desfalque. Agora é o zagueiro Fernando (o heroi da Copa do Brasil) que alega problemas particulares a serem resolvidos em Portugal e, de forma unilateral, se desliga do elenco. O desfecho não é totalmente imprevisível, uma vez que Fernando vinha sendo, de longe, o mais insatisfeito jogador da excursão, inconformado com alguns problemas logísticos e com o próprio cansaço decorrente dos jogos, mas a indisciplina será determinante para abreviar a trajetória do zagueiro, que não jogará mais pelo Flamengo. No entanto, as perdas de jogadores começam a irritar os empresários organizadores dos amistosos, que reclamam do alegado “anti-profissionalismo” do Flamengo e ameaçam reter as cotas do clube caso não seja estancada a sangria.
O Flamengo está jogando a Cr$ 1,5 milhão por partida. É um dinheiro importante para quitar as dívidas decorrentes de premiações atrasadas (especialmente referentes à conquista da Copa do Brasil). Assim que recebe a cota relativa a cada amistoso que acabou de disputar, a diretoria chama o elenco e sorteia quatro jogadores. Os agraciados têm suas pendências pagas no ato.
A parada seguinte é o Estádio Nhozinho Santos, em São Luís. O Moto Club, clube tradicional da capital maranhense (também rubro-negro), contará com dois reforços ilustres: o goleiro Valdir Peres (titular da Seleção na Copa 82) e novamente Roberto Dinamite. Mas o Flamengo, cujo treinador Jair Pereira exige competitividade e seriedade, faz boa partida e não encontra dificuldades para abrir três gols no placar, marcados pelos jovens Luís Antônio e Djalminha, e por Bobô, que começa a chamar a atenção e a se revelar o grande destaque do Flamengo na excursão. O Moto ainda diminui nos descontos, fechando o placar em 3-1 a favor do rubro-negro carioca.
CONFIANÇA-SE 0-1 FLAMENGO, 13 DE DEZEMBRO DE 1990
Enquanto a delegação pinga-pinga pelo Nordeste (sai de São Luís, faz conexão em Recife e escalas em Fortaleza e Maceió até chegar a Aracaju), a Gávea ferve. São as eleições, enfim realizadas, para alívio de quem não mais suportava as acusações, ilações e ofensas gratuitas que permeavam o clima no clube. O pleito é realizado sob atmosfera notavelmente tensa e mesmo violenta, com os cabos eleitorais das chapas de situação e oposição, não raro, trocando socos, pedradas e pontapés dentro da sede. As hostilidades são tão viscerais que vários sócios, ao chegarem à Gávea para votar, desistem e dão meia-volta, temendo por sua integridade física. Ao fim, elege-se o vencedor, dessa vez, ao contrário de ocasiões anteriores, sem liminares e outras querelas judiciais.
Em Aracaju, por pouco o amistoso programado contra o Confiança não é cancelado. O clube local programava receber as faixas de campeão estadual nessa partida contra o Flamengo. No entanto, alguns resultados inesperados adiaram a confirmação do título azulino. Assim, após o amistoso contra o rubro-negro, o Confiança ainda precisará retornar a campo para um jogo decisivo pelo Estadual Sergipano.
Outro ponto controverso é a concorrência com a Final do Brasileiro, realizada no mesmo horário. Assim que atentaram para a coincidência de horários, os organizadores cogitaram desistir da partida. Mas o Flamengo não abre mão do recebimento da cota milionária. Os ânimos arrefecem quando se descobre que a Bandeirantes, detentora exclusiva dos direitos de transmissão, não possui repetidora na cidade. O jogo, assim, é confirmado.
Para alívio dos jogadores flamengos, a partida é disputada em ritmo lento, quase de treino. O Confiança, temendo perder jogadores para as finais do Estadual, joga como num coletivo, e o rubro-negro “aceita a dança”, tornando a partida monótona e arrastada. Um gol de Nélio define a vitória do Flamengo, que recebe uma Taça oferecida pela Associação dos Cronistas Desportivos do Estado.
SERRANO-BA 1-3 FLAMENGO, 16 DE DEZEMBRO DE 1990
Com a definição da nova diretoria, algumas situações começam a se aclarar. É o caso do treinador Jair Pereira, que é avisado de que não permanecerá no Flamengo para a temporada seguinte (acabará fechando com o Atlético-MG). Bobô, o melhor jogador flamengo da excursão, será devolvido ao São Paulo. A ideia é montar uma equipe barata, com ênfase nos jovens que brilharam no início do ano na Copa São Paulo.
Mas o clima é de alívio. A delegação já projeta as ansiadas e merecidas férias, após enfrentar o momento mais cansativo da excursão (viagem de Aracaju a Salvador e da capital baiana a Vitória da Conquista em ônibus). No último jogo, mais baixas. O preparador físico e o treinador de goleiros alegam problemas pessoais e retornam ao Rio. Bobô também tenta ser liberado, mas é avisado que sua participação é fundamental para o sucesso do amistoso (é o grande ídolo baiano).
Motivados pelo fim da “Caravana Rolidêi”, os jogadores se empenham e jogam o suficiente para derrotar o Serrano local por 3-1, de virada, com gols de Luís Antônio e Bobô, que, com dois tentos, encerra, justamente em terras baianas, sua participação pelo Flamengo. Após a partida, a delegação retorna ao hotel, toma banho, janta numa churrascaria e, à meia-noite, embarca num ônibus para Ilhéus, onde chega às 04:30 da madrugada e, após mais três horas de espera, enfim embarca com destino ao Galeão.
Começam as férias.
Adriano Melo escreve seus Alfarrábios todas as quartas-feiras aqui no MRN e também no Buteco do Flamengo.
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