Preciso começar esse texto com uma observação sincera e direta: não sou um cara que acompanha futebol europeu. O que acompanho de La Liga são os gols do Vini Junior, só presto atenção em Premier League quando falam que algum ex-jogador nosso pode ser vendido e vamos lucrar com mecanismo de solidariedade.
Líder do Campeonato Alemão eu não imagino quem seja, entre ver um jogo do Francesão ou lavar minha louça acumulada, pode ter certeza que as panelas estarão limpas, num dia mais distraído eu posso sim acreditar que “Frosinone” é um prato e não um time.
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Então vou ser o primeiro a reconhecer que não saberia dizer que fase vive Depay, se Choupo-Moting é falso nove, se Martial faz a mesma função que Pedro, se Ben Yedder iria tumultuar o vestiário porque já veio de férias ao Brasil e brigou com Wesley num quiosque da Barra da Tijuca.
➕ JOÃO LUIS JR.: Quatro questões sobre a derrota deste domingo para o Corinthians
Obviamente tenho lido sobre o tema, visto as análises, sempre acompanhei um ou outro jogo importante de Champions League, mas seria maluquice dizer que tenho alguma base pra opinar sobre qualquer um desses jogadores.
Mas eu acompanho muito o Flamengo. Desde que me lembro por gente, desde aquele gol de falta do Júnior no Brasileiro de 1992 em que eu entendi como rubro-negro, eu acompanho, de maneira quase obssessiva, o Clube de Regatas do Flamengo.
Em viagens de férias pra fora, procurei bares pra ver Flamengo, em locais isolados lutei por internet pra ver o Flamengo, na festa de noivado do meu irmão eu estava sentado num cantinho da festa vendo Flamengo.
Dentro do que um torcedor da minha geração pode acompanhar, acredito que vi tudo que podia ter visto, dos picos mais altos aos buracos mais baixos, de Dênis Marques a Adriano Imperador, do volante Fernando irmão do Carlos Alberto até João Gomes, de Walter Minhoca até Arrascaeta.
Vi times que lutavam pra não cair, vi times que quase conquistaram o mundo. Vivi, muito provavelmente, todo o espectro de experiências que um rubro-negro pode viver, em termos de emoções, narrativas e sentimentos.
E nisso tudo, não vi nenhum jogador, com a camisa rubro-negra, tão decisivo quanto Gabigol.
Me entenda bem, não estou dizendo que Gabriel Barbosa é um exemplo de bom senso e responsabilidade ou que ele vive um grande momento. Estamos falando de um homem que durante a pandemia foi encontrado debaixo da mesa num cassino clandestino, foi pego no antidoping porque testou positivo pra “otário” e achou que seria uma boa vestir a camisa de outro time brasileiro num dia de folga.
A relação entre Gabigol, Flamengo e torcida está sim estremecida, e todos os lados tem culpa nisso, desde o atacante por ser irresponsável até a diretoria por ser burra e/ou mal-intencionada e a torcida por confundir Twitter com vida real e achar que qualquer coisa é motivo pra indignação, revolta e aldeões com tochas nas ruas.
Mas nada disso muda o fato de que Gabigol é sim um atacante que decidiu duas Libertadores, está entre os 10 jogadores que mais fizeram gols em finais na história do futebol e, quando estava comprometido com o Flamengo, viveu talvez a mais intensa simbiose entre um jogador e uma camisa na história recente. Podemos não simpatizar com o que Gabriel vem sendo, mas é impossível negar o que, quando quis, Gabriel já foi.
Por isso quando vejo debate sobre nomes como Depay, Moting, Martial ou Mariano Díaz, entre outros, que devem obviamente ter qualidades, senão não teriam passado por grandes clubes, mas que estão vindo de longos períodos parados, em idade avançada, ou que apenas precisariam de um certo período de adaptação ao futebol brasileiro, acaba me vindo à mente: mas e Gabigol?
Obviamente pode ser a nostalgia falando, pode ser a saudade segurando o volante, podem ser as lembranças tirando a nitidez da realidade, mas um Gabigol motivado, que já conhece o Flamengo e já brilhou por esse clube, não teria agora a maior chance de redenção da sua carreira? O atacante que já ganhou quase tudo que podia com essa camisa não está mais adaptado a ela do que um gringo que vai chegar da Europa pra conhecer o Maracanã em setembro?
Não que não seja necessário contratar outro atacante, claro. Num time que vem gerando lesões com a frequência do nosso, talvez seja o caso até de Tite deixar outro filho de sobreaviso caso esse quebre uma perna, que dirá ter um centroavante de referência no elenco além de Carlinhos. O Flamengo precisa de todo elenco que puder ter e com certeza um atacante de qualidade tem muito a somar nessa temporada.
Então talvez seja sim otimismo demais. Quanto ao comprometimento de Gabigol, quanto ao bom senso da diretoria, até mesmo quanto à flexibilidade de Tite, um homem que parece mais propenso a improvisar Allan no comando de ataque do que a alterar suas convicções. Mas se Gabriel Barbosa é mesmo um predestinado, se ele nasceu mesmo para decidir, se ele quer mesmo continuar na história do Flamengo, não existe hora melhor pra provar do que essa, agora, quando mais precisamos dele.
João Luis Jr. é jornalista, flamenguista desde criança e já viu desde Walter Minhoca e Anderson Pico até Adriano Imperador e Arrascaeta, com todas as alegrias e traumas correspondentes. Siga João Luis Jr no Medium.
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