O mundo atual não é assim. Para viver nesse mundo globalizado, hiper conectado e tão veloz é preciso ser ativo na busca por conhecimento
“Não entendo essas mentes fechadas.”
Jorge Jesus reclamou de um tratamento agressivo por parte da mídia e de seus colegas brasileiros.
O português está certo, mas o problema não é com ele. É a mentalidade do futebol brasileiro.
Quando, em 1999, Portugal foi escolhido para sediar a Euro 2004, fez uma escolha consciente: iria se tornar uma potência do futebol.
Até então o país só havia se classificado para duas Copas do Mundo. Desde então participou de todas.
Para isso, investiu em infraestrutura, construiu estádios novos em folha (inclusive para seus três maiores clubes), renovou seu trabalho de base, encontrou uma identidade de jogo, qualificou profissionais em todas as ligadas ao áreas do futebol e naturalizou o brasileiro Deco. Quando, em 2007, o Brasil foi escolhido para sediar a Copa do Mundo de 2014, fez festa. “Somos o país do futebol. Somos pentacapeões”
Estádios novos em folha foram construídos, mas tudo acabou em 7×1.
Não é coincidência.
As ligações futebolísticas entre Brasil e Portugal não são novas.
Cândido Oliveira é uma lenda do outro lado do Atlântico. Mais do que títulos ou grandes esquadrões, o ex-jogador, jogador e jornalista ajudou a construir a base do futebol português.
Ele estagiou no lendário Arsenal de Herbert Chapman, inventor do sistema W-M, que dominou o futebol mundial há quase um século.
De volta à terrinha, escreveu o livro “Futebol: técnica e tática”, uma espécie de manual que foi fundamental para a popularização da formação por lá.
Cândido tinha uma abordagem completamente teórica sobre o futebol e escreveu outros livros, incluindo “Evolução tática no futebol”, extremamente relevante até hoje.
O futebol português, aliás, é obcecado por sistemas e modelos de jogo por influência dele. Também fundou o jornal A Bola acreditando firmemente que jornalistas esportivos não deveriam apenas informar e entreter, mas educar. O grande objetivo era gerar e difundir conhecimento sobre o jogo.
Em 1950, Cândido de Oliveira veio ao Brasil para treinar o Flamengo.
Outra figura importante em Portugal foi o húngaro Béla Guttman, bi-campeão nacional e bi-campeão Europeu pelo Benfica.
Antes de chegar a Portugal, em 1957, ele treinava o lendário Honved de Puskas e veio ao Brasil jogar amistosos contra o Flamengo e o Botafogo.
Guttman decidiu, então, ficar no país e foi treinar o São Paulo. Foi extremamente influente na popularização do 4-2-4 que ajudou o Brasil a vencer sua primeira Copa um ano mais tarde, em 1958. Foram várias as figuras importantes que passaram por Portugal ao longo das décadas. Muitas delas, inclusive, brasileiras.
Mesmo assim, o país seguia sendo coadjuvante no futebol.
Tudo mudou na virada do século. Um plano que deu certo. Na Euro 2004, a seleção portuguesa contava com sua geração de ouro no auge e era treinada por Felipão – queridíssimo por todos os lusitanos.
Jogou bem, encaixou, fez jogos épicos, eliminou adversários difíceis, chegou à final e perdeu inacreditavelmente para a Grécia.
Naquele mesmo ano, o Porto levantava uma improvável taça da Champions League comandado por um jovem especial: José Mourinho, o treinador que mudaria muitos paradigmas no futebol mundial.
Mourinho era um típico treinador português: um estrategista totalmente focado no sistema, no modelo de jogo e obcecado por lapidar a interação das peças no seu tabuleiro e anular as peças adversárias. Era um grande adepto da Periodização Tática, metodologia criada pelo professor Vitor Frade. Um dos primeiros adeptos do processo de treinamentos que se tornaria popular ao redor do mundo depois.
Mourinho levou a metodologia para o Porto e revolucionou o trabalho de preparação. Aliás, Mourinho levou Vitor Frade para o clube como diretor de metodologia.
No Blog do Téo: Téo Benjamin: Relatório River – Parte 1: o modelo de jogo
Pare por um segundo e imagine um clube brasileiro criando um cargo com esse nome para um acadêmico que tinha criado uma forma de treinar diferente de tudo que era usado até ali. Seria piada. Todos os treinamentos eram focados em situações de jogo.
Todos os treinos duravam 90 minutos – ou 120 min se o time estivesse se preparando para um jogo com possibilidade de prorrogação. Todos os exercícios eram feitos com chuteiras e caneleiras – equipamento completo.
Mourinho fez seu time treinar no sol de meio-dia durante alguns dias para se preparar para o calor de Sevilla, onde seria a final da Copa da UEFA de 2003, contra o Celtic. Venceu na prorrogação, correndo bem mais que o adversário.
Mas o ponto mais relevante da “revolução Mourinho” era sua análise dos adversários. Quando era assistente de Bobby Robson e Louis van Gaal, ele era responsável por preparar relatórios dos próximos oponentes. Ambos os treinadores dizem nunca ter visto tanta atenção aos detalhes.
Mourinho ficou tão insatisfeito com o nível dos relatórios de observação dos adversários da equipe técnica do Porto que contratou do próprio bolso um auxiliar para fazer isso.
O Porto cresceu e venceu.
Quando Mourinho foi embora, o novo treinador, Luigi Delneri trouxe métodos antigos e os jogadores protestaram, pois sentiam que estavam andando para trás. Delneri foi demitido antes mesmo de fazer seu primeiro jogo oficial.
Enquanto Mourinho atraía os holofotes como treinador, o melhor jogador do mundo (ah, vamos excluir o Messi aqui por um minuto) também era Português.
Nada disso é coincidência.
Jorge Jesus chegou à primeira divisão portuguesa e varreu tudo. Fez o Benfica voltar a vencer dentro de Portugal e disputou duas finais europeias.
Desde então, uma horda de treinadores e jogadores portugueses invadiu os grandes clubes mundo afora.
Portugal ainda venceu a Euro em 2016 para confirmar definitivamente sua virada na história. Depois de menos de duas décadas, a pequena nação escondida na esquina da Europa dava as cartas no cenário mundial. Os portugueses são, sim, relevantes no futebol atual.
Enquanto isso, no Brasil, continuamos vivendo nossas vidas. Continuamos acreditando que “somos penta” e nada mais importa.
Os jogadores brasileiros PERDERAM protagonismo na última década. A seleção brasileira também.
Talvez seja culpa da nossa condição única: somos o centro da maior periferia do futebol.
Nos enfrentamos entre nós. Há sempre um campeão. Ganhamos dos nossos vizinhos sul-americanos na Libertadores, pois somos muito maiores e mais ricos. Com isso, achamos que está tudo bem. Foi dito no Sportv durante a semana que é impossível saber se há algo realmente novo nos treinamentos de Jorge Jesus.
Primeiro, há dezenas de vídeos de treinamentos disponíveis online e dezenas de jornalistas que acompanham o clube todos os dias e, em boa parte, os treinos. Segundo, há os relatos dos próprios jogadores falando que tudo é diferente.
Nas primeiras semanas de Jorge Jesus, um zagueiro titular de 23 anos disse que não conhecia 70% do que o treinador havia apresentado.
Há, também, o mais importante: um time que evolui a cada jogo, sempre incorporando novas ideias e conceitos, corrigindo seus defeitos e criando novas soluções. Uma equipe que vai ganhando forma aos poucos e, mesmo sendo melhor a cada semana, ainda parece muito longe do auge. Quando Jorge Jesus chegou ao Brasil e foi elogiado, muitos disseram “não ter recebido o memorando” sobre as qualidades do português.
Além de sem graça, a piada revela um problema: o futebol brasileiro está esperando um memorando para descobrir novidades. O mundo atual não é assim. Para viver nesse mundo globalizado, hiper conectado e tão veloz é preciso ser ativo na busca por conhecimento, na leitura da realidade e na compreensão do futuro.
Tudo está mudando o tempo todo. Precisamos aprender. Sempre há algo a aprender. É preciso sempre se colocar em movimento. Não há nada de errado nisso.
Aliás, não há nada inerentemente errado com o jeito brasileiro de jogar futebol nem nas ideias de jogo que circulam por aqui.
Mas por que essas mentes tão fechadas?
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